domingo, 24 de julho de 2011

Keynes em entrevista

A economia tem percorrido um árduo caminho para se afirmar como ciência. Desde a antiguidade pode-se notar contributos relevantes de varios cientístas que de certa forma ajudaram no desenvolvimento da ciência económica. No sec XX, sem desmerecer os demais, a figura mais importante e influente para muitos cientistas sociais foi sem dúvida John Maynard Keynes, inglês, que viveu no periodo de 1883 a 1946. Após a publicação da sua obra mais importante, General Theory of employment, interest and money (Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro) em 1936, a economia nunca máis seria a mesma (conhecida na literatura como a revolução keynesiana). Keynes é considerado o pai da moderna macroeconomia e demonstrou que o estado através das politicas económicas (monetária, fiscal etc) poderia afectar os principais agregados macroeconómicos e determinar valores desejáveis para as variáveis macroeconómicas (emprego, PIB, juros, salarios, inflação entre outros). A implementação das politicas económicas de orientação keynesiana através do Plano Marshall e New Deal, permitiram a recuperação da Europa após a segunda guerra mundial e, dos EUA e do mundo da grande depressão da decada dos 30. Permitiu ainda um periodo de grande prosperidade que o mundo viveu até meados da decada de 70 e que ficou conhecido como os 30 anos gloriosos.
Para entender a proposta keynesiana é necessário fazer a contextualização do periodo em que surgiu a Teoria Geral. A grande depressão ocorrida na decada dos 30 deixou evidente a incapacidade da escola neoclássica em explicar os fenómenos que ocorriam na sociedade. Por incrivel que lhes podia parecer, os mercados não se auto-regulavam e o equilibrio ocorria abaixo do pleno emprego. Também, era evidente o elevado indice de desemprego, baixos indices de investimento e baixa utilização capacidade de produção.
O aspecto mais importante identificado por keynes foi a INCERTEZA. Devido á incerteza, os individuos consumiam menos e os empresários investiam menos, gerando um circulo vicioso de baixo consumo, pouca receita dos empresarios, baixa expectativa de oportunidades, baixo investimento, pouco emprego, baixo rendimento, baixo consumo. Essa armadilha não seria desarmada pelas forças naturais do livre mercado (laissez-faire) mas sim somente pelo activismo do estado, reestabelecendo o nivel de consumo (procura efectiva) através de politicas económicas.

Antonio Baptista (Tozé): Keynes, qual a motivação para escrever a Teoria Geral e quais os resultados?
Keynes: Basicamente foi a constactação de que o paradigma neoclassico já não conseguia responder aos desafios que a economia lhes colocava. Tinha o fenómeno do desemprego involuntário que eles não conseguiam explicar e também a situação de super-produção que ia contra a lei de Say. Eu queria oferecer indicações de acções praticas para eliminar o desemprego e aumentar o rendimento nacional. A conclusão importante do livro é  que a procura efectiva é a variável chave na determinação do rendimento nacional. A incerteza é uma variável importante que deve ser considerado nos modelos de análise económica e o estado é um agente fundamental que através de politica económica pode afectar as variáveis macroeconómicas.

TZ: Mas afinal qual o problema com a escola neoclassica e a lei Say?
Keynes: Além do individualismo metodológico, os neoclássicos tinham como pressuposto a racionalidade dos produtores e consumidores e também acreditava que esses agentes económicos procuravam maximizar a utilidade. O procedimento racional de maximização da satisfação (lucro) dos produtores levava a uma situação de extrema precariedade no mercado de trabalho e os salários estavam em níveis muito baixos. Essa precariedade trazia muita incerteza para os consumidores que passaram a preferir reter o salário na forma de dinheiro para algumas eventualidades que possam surgir em vez de gastar tudo na compra de bens. Essa preferência pela liquidez contrariava a lei de Say. Essa situação reduzia a procura agregada, que por sua vez gerava o desemprego (seguindo a lógica do circulo vicioso apresentado anteriormente) e causava a superprodução (oferta maior que procura), algo que os neoclássicos não acreditavam e nem poderiam explicar. O desemprego é causado pela escassez de oferta de postos de trabalho e este por deficiências de procura efectiva.

TZ: O que seria essa lei de Say?
Keynes: A lei de Say foi uma contribuição do economista Jean Batiste Say e que basicamente afirmava que o processo de produção capitalista é também, um processo de geração de renda (lucro, salários, aluguer etc) e, por isso, a oferta gera sua própria procura. Ex: para produzir, as empresas precisariam contratar mão-de-obra que em troca do trabalho, receberiam salário, que posteriormente seria gasto no consumo dos produtos das empresas.

TZ: Mas isso parece lógico.
Keynes: Claro, desde que a economia fosse primitiva e não uma economia industrial moderna, como conhecemos e ainda por cima com elevados níveis de incerteza. Quanto estão sujeitos á incerteza os indivíduos não gastam todo rendimento e por isso a lei de Say não vai funcionar. Na verdade é a procura que determina a oferta. A procura efectiva é a variável fundamental na geração do rendimento nacional. Numa situação de incerteza os empresários não vão investir, independentemente do nível das taxas de juros.

TZ: Como justificas a importância da procura efectiva?
Keynes: A procura efectiva corresponde ao consumo das famílias, o investimento dos empresários, os gastos do estado e o saldo liquido das exportações. Essas variáveis é que vão determinar o produto nacional. Quanto maior o gasto das famílias, empresas, estado e exportação maior será o produto. Elementar, meu caro.

TZ: Mas você defende que maior gasto do estado gera crescimento económico? o estado não é um irresponsável? Gastador? Gordo? Ineficiente?
Keynes: Realmente eu defendo aumento do gasto do estado mas você deve contextualizar. Lembra? Estamos em plena depressão (desemprego, queda nos investimentos etc). As famílias não gastam, as empresas não investem e por isso sobra quem? O estado. Lógico. O estado tem responsabilidades constitucionais de prover o bem-estar das famílias etc. Ele não deve esperar pela solução da “mão invisível”. O estado deve lidar com preocupações de curto prazo e não com hipóteses de longo prazo das políticas económicas. Os desequilíbrios ocorrem no curto prazo e requerem pronta intervenção para evitar problemas maiores no sistema. Quem pode e deve se preocupar com essa situação é o estado.

TZ: Mas, de acordo com a classica teoria económica, no longo prazo esse tipo de politica fiscal expansionista (aumentar o gasto do estado), pelo facto de a curva de oferta agregada ser vertical no pleno emprego, qualquer aumento da procura agregada vai gerar apenas inflação.
Keynes: No longo prazo estaremos todos mortos. He he he! Na verdade essa situação descrita pelos neoclássicos (curva de oferta agregada vertical) não acontece se tivermos capacidade de produção ociosa, como acontece frequentemente em situações de depressão. Quando não temos pleno emprego dos factores de produção (capacidade ociosa, desemprego involuntário etc) a curva de oferta é na verdade horizontal, permitindo um resultado diferente, isto é, sem inflação e mais crescimento económico.

TZ: O estado pode ocupar da produção de bens em vez de privados?
Keynes: DEPENDE. Se estivermos numa situação tipo o que descrevemos no período de depressão, em que os privados não estão a investir, o estado pode e deve produzir e gerar emprego pois, essa politica, através do efeito multiplicador, potencializa os benefícios para toda a economia. Mas que fique bem claro, os gastos do estado devem estar direccionados para permitir melhorias na procura efectiva e gerar efeito multiplicador. Infelizmente nem todos os gastos do estado tem essa capacidade.

TZ: Mas buscará o estado desempenhar esta função em prol da colectividade?
Keynes: Esse é o grande desafio histórico. Muitos estados com politicas económicas ditas keynesianas, demonstraram um comportamento totalmente diferente do esperado. Na verdade o homo politicus é movido por interesses próprios e que muitas vezes não beneficia a colectividade. Mas, a minha análise esta baseada na ideia de um estado regido por princípios de honestidade, solidariedade, defesa da concorrência, da propriedade, e que tenha capacidade de estabelecer regras na economia.

TZ:Você chegou a propor acabar com o capitalismo?
Keynes: Claro que não. O que você colocaria em troca? O comunismo? Acredito que não. Dê uma olhadela no último capítulo da Teoria Geral. As minhas sugestões eram direccionadas para melhorar o sistema e não a sua substituição. Eu defendo que o estado deve ser forte, capaz de dirigir a economia na busca de melhor resultado em termos de emprego, PIB etc. O desenvolvimento da nação não deve ser deixado por conta da “mão invisível”. Não é o laissez-faire que vai proporcionar o pleno emprego e a melhor solução em tempo oportuno. Além disso não existe auto-regulação e portanto tem-se espaço para a adopção de políticas económicas.

TZ: Mas desde a década dos 70 que as politicas económicas são orientadas de acordo com a doutrina neoliberal. Porque isso ocorreu?
Keynes: Basicamente, devido a predominância de problemas “não-keynesianas”. Na década de 70, tivemos o choque de petróleo, inflação etc. Já não fazia sentido um estado com grandes orçamentos, politicas expansionistas e ficou caro manter o “estado de bem estar social”. A grande preocupação da política macroeconómica na altura era estabilidade de preços, em vez de políticas de crescimento. Neste sentido surgiram economistas (Milton Friedman) que advogavam a utilização de políticas monetárias, capazes de combater a inflação de forma mais rápida porém, com muitos efeitos colaterais.

TZ: Os acontecimentos recentes têm dado razão a muitas das suas propostas de prescrições de politicas públicas. Não tens pensado em assombrar os actuais formuladores de políticas económicas? Tens pensado em fazer alguma obra psicografada? Descanse em paz.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

Quem podemos culpar pela crise? O sector privado ou o sector público?

O deficit em transacções correntes é imprudente e insustentávelOlivier Blanchard-Economista chefe do FMI
É comum atribuir a culpa pela crise ao sector público. A ideologia dominante e a retórica de culpabilizar a intervenção do estado como a raiz de todos os males económicos é muito forte e esses argumentos são difíceis de serem refutados por pessoas comuns. Existe uma sabedoria convencional que muitas vezes por ingenuidade, não consegue entender a dinâmica da interacção económica entre os diferentes agentes económicos e relega ao estado um papel insignificante na determinação dos rumos da economia e atribui, de forma linear, que em relação aos “males” a culpa é do estado e as “benesses” são obras do sector privado. Mesmo a imprensa costuma destacar apenas a dívida pública sem focalizar o problema crucial que esta no sector privado e encontra-se associado ao deficit na conta corrente.
Ao analisarmos os dados publicados pelo FMI relativos a alguns Países da Europa pode-se perceber que o aspecto que os PIGS (Iniciais de Portugal, Irlanda, Grécia e E(S)panha) tem em comum é o deficit persistente na Balança de Transacções Correntes. Todos apresentaram agravamento da conta corrente. É certo também que em relação á Divida Pública em proporção do PIB muitos desses países apresentaram agravamento da divida porém, foi algo que aconteceu na grande maioria dos Países analisados e pode ser entendido como a manifestação da lei de Wagner que estabelece uma relação positiva entre o crescimento económico e o aumento do gasto público. Factores como o aumento do nível de rendimento per capita, aumento populacional, urbanização, etc influenciam o aumento dos gastos públicos para atender as exigências da população.
Geralmente o deficit em Transacções Correntes indica um sector privado pouco competitivo e oferece evidências de que o verdadeiro problema esta nas empresas. Existem vários países que mesmo apresentando divida pública superior ao que se verifica nos PIGS, não apresentam uma situação complicada pelo facto de que são superavitários na conta corrente (ex: Alemanha, Bélgica, Áustria, Holanda etc).
Enquanto não se livrar da restrição ideológica que culpa o sector público e, aceitar trabalhar na melhoria da competitividade do sector privado, dificilmente os PIGS irão superar a crise. E na conjuntura actual esses Países não dispõe do instrumento clássico de ganho de competitividade a curto prazo que é a desvalorização cambial portanto, a solução além de ter de ser coordenada entre os Países da zona do Euro, não será fácil de se encontrar. Tratar os sintomas sem curar a causa não parece ser um procedimento sustentável.
É incrível o descaso que a imprensa e inclusive muitos “economistas” apresentam ao trabalhar com a questão da conta corrente. Essa situação se explica em grande parte pelas restrições ideológicas que molda a metodologia de trabalho a ideias pré-concebidas ao invés de se arriscar em diagnósticos e soluções mais adequadas para cada situação. Para maiores detalhes sobre a conta corrente ver este post.
Fonte: Adaptado do World Economic Outlook – FMI/Abril 2011

segunda-feira, 18 de julho de 2011

Adam Smith em entrevista

Vários cientistas econômicos deram contributos valiosos para o progresso da economia enquanto ciência. As publicações, mesmo tendo grande repercussão durante muito tempo, não estão acessíveis para o grande público. Poucos tiveram a oportunidade de ler a obra original destes autores e por vezes são pouco compreendidos por leitores ocasionais de assuntos ligados a economia. Neste espaço vou dedicar á análise de algumas contribuições essenciais para o desenvolvimento da economia como ciência e dar uma interpretação pessoal sobre a obra destes cientistas econômicos.

A apresentação será feita no formato de entrevista simulada com os grandes cientistas da economia que contribuíram para o debate e desenvolvimento da economia politica. Para começar, é obvio que teria de ser uma entrevista com Adam Smith, considerado pela grande maioria dos economistas como o “Pai” da ciência económica. Titulo que considero merecido dada a abrangência da sua análise, pioneirismo, rigor científico e por ser a primeira exposição global, coerente e sistemática da vida económica das nações.

Adam Smith é um economista classico e como todos os demais colegas clássicos, teve preocupação em entender o processo de crescimento económico dos países e a participação das classes sociais neste processo. Ele nasceu na Escócia e viveu durante o periodo de 1723 a 1790. As duas principais obras dele foram The Theory of Moral Sentiments ("A Teoria dos Sentimentos Morais"), publicado em 1759 e An Inquiry Into the Nature and Causes of the Wealth of Nations ("Uma Investigação sobre a natureza e as causas da riqueza das nações"), em 1776.

Para entender o pensamento e as contribuições deste incontornável cientista e filósofo moral devemos contextualizar o periodo em que ele viveu e as transformações que ocorria na europa no periodo. O dominio do iluminismo, transmitindo os ideiais de liberdade, o grande progresso que se verificava nas ciências com a valorização da capacidade racional do homem despertou uma busca desenfreada para descobrir as leis naturais que regulavam a “ordem natural”. Acreditava-se que o homem, ser dotado de racionalidade poderia, através de um esforço investigativo, descobrir as leis que regiam todos os fenómenos naturais. O homem, como um ser natural, era regido também por leis naturais. Caberia ao cientista investigar e descobrir essas leis. Neste contexto surge Adam Smith, na busca dessas leis que garantiam as regularidades e explicavam o auto equilibrio e auto-regulação do sistema de mercado. Nessa busca Adam Smith encontrou a “Mão invisivel”. A  sistematização dessa investigação no livro publicado em 1776 revolucionou todo o pensamento económico da época e cuja influencia se extende até hoje.

Antonio Baptista (Tozé): Adam Smith, porquê o titulo do livro “Uma investigação….”?
Adam Smith: O desenvolvimento da ciência que se verificou com os trabalhos de Newton trouxe a preocupação de se demarcar dos demais conhecimentos não científicos e por isso pensei colocar o titulo para diferenciar dos demais estudos que não tiveram a preocupação rigorosa com a metodologia científica.

TZ: É a influencia do iluminismo?
AS: De certa forma sim. Os ideiais defendidos pelos filósofos iluministas da época tais como a liberdade, igualdade, fraternidade, valorização da razão, existência da ordem natural e a comprovação da existência de uma “ordem” nas demais ciências (por ex: a mecânica newtoniana etc) me estimularam a empreender um estudo semelhante na economia adoptando procedimentos científicos e comprovar que a economia era regida também, por leis naturais.

TZ: Mas essa ordem natural funciona na economia? É possivel a existência de leis rígidas e imutáveis que garante a regularidade e a previsibilidade na economia?
AS: Claro que sim. A economia é uma ciência natural portanto sujeita a leis naturais  que podem ser descobertas.

TZ: Você já tinha publicado outro livro “Teoria dos sentimentos morais”. Qual a motivação e conclusão com a publicação desse livro?
AS: Neste livro tentei á semelhança de Hobbes, Rouseau etc, tentar descobrir detalhes da natureza do homem. Mas em especial do homo economicus. Observei que o comportamento é dominada pelas paixões e os instintos de auto preservação e auto interesse, porém controlada por uma capacidade de simpatia, e por uma presença interior que aprova ou desaprova as acções do indivíduo na sociedade. Ele se preocupa com a sorte do seu semelhante e tem capacidade de criar instituições capazes de mitigar os conflitos que possam surgir.

TZ: E quanto ao livro “A riqueza das nações”?
AS: Como o titulo deixa evidente, a minha preocupação era entender o processo de desenvolvimento das nações e compreender o papel das diferentes classes sociais nesse processo. A orientação foi  tentar demonstrar que o mercado tem capacidade de auto regulação e tende sempre ao equilibrio. Qualquer intervenção ou tentativa de melhoria só pode piorar a situação. A intervenção, regulamentação do governo, privilégios empresariais tais como monopólios, geralmente perturbam a ordem natural. Os homens voltados para seus próprios interesses são conduzidos por uma mão invisível...sem saber e sem pretender isto, realizam o interesse da sociedade.

TZ: OK, por ser grande defensor da ordem natural baseada na livre competição dos indivíduos em condições competitivas, acreditas que qualquer evento que altera o preço na sua trajectória natural causa perturbações na ordem mas, antes de entrar em detalhes, queria entender o processo que gera a tal riqueza das nações.
AS: A riqueza das nações é gerada pelo trabalho e não pela acumulação de ouro e prata como acreditavam os mercantilistas. É o trabalho humano que gera riqueza. O crescimento económico de países torna-se possível graças ao processo de divisão do trabalho que por sua vez permite a especialização e ganhos de produtividade. Veja bem, a questão de classes sociais que tinha citado antes é que a classe importante neste processo é a dos capitalistas, pois são a única classe que pode promover o processo de acumulação de capital (investimento nas empresas, maquinas etc). Esse é o processo virtuoso de uma economia de mercado pois, o investimento gera emprego e PIB. Os capitalistas possuem a racionalidade económica que lhes permitem fazer investimentos em bens de capital.

TZ: Que papel seria desempenhada pelas outras classes (operários e latifundiários)?
AS: Pouco. Na verdade, muito pouco. Os latifundiários embora usufruírem da renda, não participam no processo de acumulação de capital, preferem gastar o excedente em bens de consumo, supérfluos, desviando recursos escassos do processo produtivo. Os operários infelizmente gastam tudo que tem no consumo, não tem capacidade de poupar e investir.

TZ: Significa então que nem todos capitalistas promovem crescimento económico?
AS: A contribuição deles só é favorável se participarem no processo de acumulação de capital, se promoverem melhorias na produtividade etc. O gasto em bens de consumo de luxo, importados, tem pouca contribuição no desenvolvimento. A aquisição de viaturas de luxo, tipo Prado, Touareg, BMW etc contribui de forma limitado no processo de crescimento económico, porque além de provocar deficit na balança comercial não tem efeito multiplicador e nem melhoram a produtividade das empresas...Desculpe, empolguei!!!

TZ: Pois é, Prado, Touareg? São da sua época?? Efeito multiplicador? Mas você não esta indo contra o livre comércio?
AS: Não. Estava pensando em termos de racionalidade económica. Todos são livres para decidir o que fazer com o seu dinheiro e decidir que bens comprar. Sou defensor do laissez-faire que é um sistema óbvio e simples de liberdade natural. Na verdade a generalização da divisão do trabalho em termos internacionais permite aos países usufruírem das vantagens absolutas. Cada um se especializando na produção de determinados bens que posteriormente serão trocados nos mercados gerando melhorias nas condições de vida de todos.

TZ: Para terminar, gostaria de saber a sua posição quanto ao estado. Qual o papel que lhe reservas na economia?
AS: O estado é fundamental. Entretanto, defendo que ele não deve intervir nas leis do mercado. Ao estado cabe garantir a defesa nacional, administrar a justiça, garantir a propriedade privada, provisão de instituições e obras sem fins lucrativos, garantir a ordem interna, controlar a emissão de papel-moeda (que não deve ser deixado nas mãos de banqueiros) e até mesmo proteger a industria nacional em determinadas situações.

TZ: Não sei até que ponto esta a acompanhar a actual crise económica. Mas nota-se uma nítida tendência do estado intervir na economia e inclusive com nacionalização de varias empresas, adoptando politicas tipicamente defendidas por Keynes.
AS: Provavelmente a crise deve ser derivada de alguma ingerencia do estado, pressionando os bancos a ceder créditos para maus pagadores. Mas como essas idéias de politicas públicas derivadas da doutrina Keynesiana não são da minha época, por isso sugiro que perguntes ao Hayek ou ao Miltom Friedman que foram  (da mesma época) seu contemporâneo.
TZ: Obrigado, descanse em paz.

domingo, 10 de julho de 2011

Com(s)ciência económica

Poucas pessoas se dão ao trabalho de estudar a origem de suas próprias convicções. Gostamos de continuar a crer no que nos acostumamos a aceitar como verdade. Por isso, a maior parte de nosso raciocínio consiste em descobrir argumentos, para continuarmos a crer no que cremos.” Joan H. Robinson

A economia como ciência tem sofrido variaos criticas em relação aos seus resultados teóricos e seus pressupostos metodológicos. Os críticos afirmam que esta ciência tem pressupostos irrealistas, muitas vezes descrevendo ficções ou casos pouco realistas e não são poucos os casos em que os procedimentos e protocolos científicos são simplesmente ignorados. Vários defeitos e problemas metodológicos ou epistemológicos têm sido apontados e os intensos debates em torno desses temas contribuíram para o desenvolvimento da economia enquanto ciência principalmente em termos de aprimoramento metodológico e objetividade.

Os cientistas sempre se preocuparam com a demarcação do conhecimento científico das outras formas de conhecimento (religião, mitologia, filosofia etc). Essa preocupação pode ser constatada pela análise histórica das contribuições dos filósofos da ciência. Desde o surgimento da ciência moderna com Descartes no sec XVII pode-se notar a grande atenção dispensada ás questões relativas ao método científico. No sec XX ocorreram grandes debates (batalha do método) em torno dos aspectos epistemológicos do conhecimento científico. Neste contexto pode-se indicar a contribuição do “Circulo de Viena”, publicando um manifesto – Uma visão científica do mundo – em que se adota o positivismo lógico como filosofia e o princípio da verificação como critério de demarcação da ciência e outras formas  de conhecimento. Nesta ocasião foram privilegiados a lógica, a matemática e o método indutivo como ferramentas na busca do conhecimento. 

Karl Popper, em 1934, publicou o livro A lógica da pesquisa científica, apresentando como alternativa ao critério da verificação o falsificacionismo, em que teorias mereciam status de ciência na medida em que alcançassem um maior grau de falseabilidade através de constantes criticas teóricas, defendendo também, que o método dedutivo seria mais adequado do que o indutivo.

A critica ao positivismo continuou com os filósofos Thomas Khun e Imre Lakatos. No livro A estrutura das revoluções científicas, Khun apresentou o conceito de paradigmas, que pode ser interpretado como conjunto de crenças, valores, técnicas e conceitos compartilhados pelos membros de uma comunidade científica, fornecendo um modelo de análise de problemas científicos, ou seja, uma visão de mundo em que a razão científica fica circunscrita aos limites definidos pelo paradigma. Khun defende que a ciência se desenvolve através das revoluções científicas, que promoveriam a substituição de paradigmas, adotando aquele com maior capacidade de explicar os fenômenos no momento.
Lakatos defende no livro Metodologia dos programas de pesquisa científica que as teorias nunca são completamente abandonadas mesmo quando refutadas.

Um remédio eficaz para por fim a toda essa discussão filosófica foi proposto por Paul Feyerabend, no livro Contra o método, publicado em 1975, em que ele defende o anarquismo metodológico isto é, “tudo vale”, mesmo a violação de normas. O cientista deve tornar sua teoria persuasiva por meio de recursos retóricos de propaganda, preferências estéticas, políticas, econômicas para convencer a comunidade científica. Feyerabend defende que são fatores subjetivos que acabam determinando o sucesso ou o fracasso de uma teoria.

Tanto Popper, Positivistas, Khun quanto Lakatos sofriam de uma restrição comum que é o fato de restringirem o objeto de investigação científica á experiência factual. Na economia essa limitação pode ser encontrada também nas propostas de Milton Friedman no seu livro A metodologia da economia positiva publicado em 1953.

Uma proposta metodológica que se julga mais adequada para a economia (embora ainda não é referida nos manuais económicos de “consumo de massa”) é o realismo critico. A publicação do livro A Realist Theory of Science de Roy Bhaskar na década de 70 trouxe grande progresso no debate da metodologia da ciência. Na economia, a proposta do realismo critico de Bhaskar foi introduzido por Tony Lawson no livro Economics and Reality em 1997 e traz a afirmação de que toda a teoria científica pressupõe uma visão de mundo. Lawson demonstra que o método dedutivo não é adequado para abordagem de fenômenos econômicos porque restringe o objeto da ciência a fatos empíricos e a realidade não se esgota nos fatos. O método mais adequado, portanto, é o método retrodutivo, que visa explicar os mecanismos e leis causadoras do curso efetivo dos eventos, permitindo uma ciência econômica mais objetiva.

Desde o século XIX a Escola Histórica Alemã já questionava a adequabilidade dos métodos dedutivos e indutivos na investigação econômica. A descoberta do “inconsciente” pela psicanálise, a identificação da “ideologia”, os avanços da física teórica, o postulado da racionalidade limitada etc colocaram em causa a objetividade e demonstraram as limitações inerentes à abordagem positivista na economia.
Existe atualmente, uma pressão para adequar os procedimentos metodológicos da economia ao “Homem Real” em vez de se divagar sobre o “Homem Econômico”. Tendo alguns cientistas proposto que em termos metodológicos deveria-se migrar do método hipotético-dedutivo para o historico-dedutivo. Da mesma forma existe a pressão para se limitar as generalizações teóricas e a prescrição universal das propostas de políticas.

O progresso da economia enquanto ciência requer constante revisão dos pressupostos, maior problematização dos fatos e evitar as pressões políticas que empuram para o convencional e ideológico, desviando da orientação científica.

quarta-feira, 6 de julho de 2011

Estratégias de desenvolvimento económico

O avanço da globalização e o aumento dos contactos entre os varios países deixaram evidente que as condições materiais de vida entre os vários povos são extremamente diversas, e essa constatação é inegável e preocupante. Os mais pobres tem tomado consciência da sua situação precária e pobreza, gerando um clima de insatisfação e revolta. Várias são as teorias que tentam explicar o subdesenvolvimento. Entre as causas do subdesenvolvimento de alguns países, pode-se citar dotação de recursos, insuficiência de capital humano, baixo estoque de capital social, escassez de capital físico, relação de dependência, clima, organização política, colonialismo, religião, fraqueza das instituições e vários outros factores.

O desenvolvimento economico deve ser entendido como a elevação do padrão de vida da população em geral. Sua presença deve ser proporcionada pelo incremento da renda per capita, bem como pela redução das desigualdades sociais e da instabilidade econômica (inflação, desemprego, balanço de pagamentos etc).

Os países subdesenvolvidos geralmente enfrentam uma escassez de recursos (tanto capital físico, humano e social quanto tecnologia), encontrando poucas alternativas para o processo de crescimento. Nestes casos, o Estado tem um papel crucial na construção de uma dinâmica de desenvolvimento, rompendo com esses entraves, através de uma estratégia de política orientada para o desenvolvimento económico, priorizando a produção, o emprego, a infra-estruturação, tentando identificar os sectores chaves para dinamizar a economia.

A discussão sobre a eficácia de políticas destinadas a promover o crescimento económico, traz consigo grandes conflitos. Por um lado temos alguns autores que defendem uma teoria de crescimento equilibrado e, por outro lado, os que advogam o crescimento desequilibrado. A doutrina do crescimento equilibrado está associada aos professores PAUL N. ROSEINSTEIN-RODAN e RAGNAR NURKSE, enquanto que ALBERT O. HIRSCHMAN e FRANÇOIS PERROUX propunham o crescimento desequilibrado.

Geralmente os países ditos subdesenvolvidos se caracterizam por uma significativa deficiência em nível de tecnologia, de capital e de alocação de recursos, com um mercado interno pouco dinâmico, dificultando a geração de rendimentos suficiente para ser investida na economia e promover o processo de acumulação de capital. As teorias de crescimento, equilibrado e desequilibrado, propõem soluções distintas de como uma economia nestas situações pode passar para um estágio mais evoluído de desenvolvimento.

 Crescimento equilibrado

Segundo esta corrente de pensamento, as desigualdades económicas distribuídas no espaço são uma simples contingência. No longo prazo, os efeitos do progresso tecnológico e dos investimentos far-se-iam perceber nos outros sectores, isto é, a livre circulação dos factores produtivos (mão-de-obra, capital e tecnologia) entre as regiões asseguraria o crescimento equilibrado entre elas.

Essa teoria focaliza a necessidade de um processo deliberado de industrialização numa determinada economia, para quebrar a inércia da pobreza e ampliar o tamanho do mercado e outros sectores da economia.

Segundo ROSEINSTEIN-RODAN, o desenvolvimento não se dá passo a passo, mas sim, existe um nível mínimo de recursos que deve ser dedicado a um programa de desenvolvimento, para que este tenha alguma possibilidade de êxito. Essa idéia de coordenação de investimentos é a base do conceito do  “grande impulso” (big push), introduzido pelo autor na literatura sobre o desenvolvimento económico.

O desenvolvimento se tornará realidade somente se os investimentos forem sincronizados em diversas actividades económicas, viabilizando uma industrialização auto-sustentada.

O obstáculo a ser superado pelos países subdesenvolvidos seria a necessidade de efectuar um  “quantum mínimo” de investimento em capital fixo que pode aumentar a produtividade do investimento privado e viabilizar o processo de desenvolvimento económico.

Crescimento desequilibrado

Segundo HIRSCHMAN, nos países subdesenvolvidos os recursos são escassos, impossibilitando o investimento simultâneo em vários sectores e, se estivessem em condições de aplicar a doutrina do desenvolvimento equilibrado, não seriam então subdesenvolvidos. O factor mais escasso nessas economias é a habilidade para tomar as decisões de quanto e como efectivar os investimentos. Em vez de propor amplas frentes de investimentos, a política de crescimento económico tem por objectivo criar estratégias de desequilíbrios, capazes de responder na proporção exigida de cada estímulo.

FRANÇOIS PERROUX, ao criticar a teoria do desenvolvimento equilibrado, defende que o desenvolvimento se processa a partir da dinâmica de desequilíbrios, visto que se manifesta em pontos de pólos de crescimentos com intensidades variáveis, expandindo-se por diversos canais e com efeitos distintos em toda a economia.

A pressão para reestabelecer o equilíbrio, após uma onda de desequilíbrios, pode partir do governo, que geralmente é obrigado a intervir nos sectores que não oferecem estímulos à iniciativa privada, podendo ser inclusive, investidor de último recurso.

O processo que sustenta a teoria do crescimento desequilibrado, na visão de HIRSCHMAN, está centralizado na escolha de actividades chaves, capazes de propiciar a implantação e o crescimento de outras actividades interligadas, por meio de encadeamentos. Daí, muita ênfase foi dada aos “efeitos de encadeamento prospectivos” (efeitos para frente) e aos “efeitos retrospectivos” (efeitos para trás) dos investimentos. Os efeitos de “encadeamento para trás” representam os efeitos que uma dada indústria apresenta de puxar o desenvolvimento de outras indústrias, ou seja, estimular a procura de produtos fabricados por outras actividades, situadas em estágios precedentes do processo de produção em si, encorajando os investimentos nestas actividades.

Os efeitos de “encadeamento para frente” representam os efeitos que uma dada indústria apresenta de induzir o desenvolvimento potencial de outras indústrias, através da redução do custo unitário de produção, em actividades praticadas em estágios posteriores do processo produtivo.

Uma outra abordagem apresentada por HIRSCHMAN sustenta que uma economia, para alcançar níveis elevados de rendimento, necessita desenvolver primeiro internamente, em determinados centros regionais, de modo que propicie, naturalmente, a concentração do investimento em capital básico (energia, comunicação, saneamento, habitação, etc.). No desenvolvimento desses centros, as forças de mercado provocam pressões, tensões e coerções ao crescimento de regiões próximas ao centro dinâmico, acentuando as desigualdades inter e intra-regionais de crescimento. Em decorrência disso, torna-se acessível a promoção do desenvolvimento em áreas estagnadas por meio de investimentos públicos autônomos, beneficiado, principalmente, pelo aumento das receitas fiscais geradas nos centros dinâmicos. Além disso, a região em crescimento pode assimilar parte do desemprego da região atrasada.

O debate sobre a estratégia de desenvolvimento económico tem evoluido de forma consistente ao longo do tempo. Uma sugestão de leitura, embora um pouco heterodoxo, porém muito actual e oportuno é o livro Kicking Away the Ladder - Development strategy in historical perspective, de Ha-Joon Chang, professor da Universidade de Cambridge.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Capital social e desenvolvimento económico

Desenvolvimento económico é o resultado do processo de acumulação de capital. Ao longo da história da economia como ciência pode-se encontrar diferentes conceitos de capital e a discussão sobre o seu impacto no desenvolvimento económico tem proporcionado progressos relevantes no entendimento da diferença no crescimento dos países. O capital natural, capital infra-estrutura, capital máquinas, capital bancário, capital humano sempre foram considerados como condição necessária para o densenvolvimento, porém, é cada vez mais nitida a insuficiência dessas variáveis na explicação do progresso de determinados países pelo facto de que existem aspectos intangíveis presentes na sociedade que condicionam o desenvolvimento.

Desde a independência o governo de Cabo Verde tem investido de forma significativo no desenvolvimento da economia, entretanto, pode-se notar que todos os esforços empreendidos foram pouco significativos e o país, ainda é subdesenvolvido, com elevado índice de pobreza. Essa situação pode estar associada a ausência de atitudes de cooperação, organização social e mobilização da sociedade. Actualmente a linha de investigação da economia do desenvolvimento que relaciona aspectos intangíveis da sociedade na explicação da diferença no padrão de desenvolvimento de paises, regiões e localidades, utiliza o conceito de capital social.

Capital Social, segundo Robert Putnam, está relacionado como diversos aspectos ligados à organização social, como redes sociais, confiança mútua, compromisso cívico, entre outros. Podendo, ser medido a partir da presença de: (i) organizações da sociedade civil; (ii) pessoas associadas; (iii) participação activa na tomada de decisões; (iv) grau de confiança entre os membros da sociedade; (v) cooperação; (vi) redes horizontais; e (vi) participação política.

Nas décadas de 80 e 90, grande parte dos cientistas sociais buscavam saber a razão pela qual algumas regiões cresciam e se desenvolviam e outras não e, por que o desenvolvimento é heterogéneo entre as regiões, mesmo que estas regiões tivessem condições similares em termos de factores produtivos - capital físico, tecnologia e mão-de-obra. Notou-se que as regiões onde se promove relações horizontais de reciprocidade e cooperação, ao invés de relações verticais de autoridade e dependência; cria redes de solidariedade, confiança e tolerância; e possibilita elevados níveis de participação nas associações apresentam maiores possibilidades de se desenvolverem. Ficou evidente que é insuficiente considerar apenas os aspectos materiais e tangíveis da vida económica, devendo-se levar agora em consideração também, alguns aspectos intangíveis da sociedade e as suas relações sociais.

É neste contexto que surge a importância do conceito de capital social que pode ser definido como “(...) características de organização social, como confiança, normas e sistemas, que contribuem para aumentar a eficiência da sociedade, facilitando as acções coordenadas”. Encontra-se relacionado ás normas, instituições e organizações que promovem a confiança e a cooperação entre pessoas, as comunidades e no conjunto da sociedade.

O capital social então, é constituído pelas características da organização social tais como confiança, regras e sistemas que contribuem para o aumento da eficiência da sociedade através da criação de acções coordenadas. Muitos cientistas económicos defendem que as regiões bem sucedidas são compostas de comunidades com fortes laços de reciprocidade, com presença de densas redes de engajamento cívico, onde a cooperação é voluntária. Isso facilita a acção das instituições e o resultado é a eficiência económica. O capital social gera condições para que a democracia se instale e se fortaleça, como também propicia melhores resultados económicos.

Parece coerente que comunidades com maiores níveis de capital social são mais propensas a se desenvolverem do que comunidades com baixos níveis de capital social. Isso se deve ao benefício que surge do acumulo de articulações sociais e ao grau de organização da sociedade, gerando melhorias na qualidade de vida da população e criando alternativas para superar os problemas existentes na região. Sendo assim, a existência de capital social e a consequente qualidade de vida tornam-se elementos chave na resposta sobre as disparidades de desenvolvimento das comunidades.

De acordo com o Banco Mundial, enquanto o capital humano é criado ao dar às pessoas habilidades e capacidades que as habilitam a agir de novas maneiras, o capital social, por seu turno, é criado quando as relações entre as pessoas mudam no sentido de facilitar a acção interpessoal. O capital físico é inteiramente tangível, sendo observado na forma material; o capital humano é menos tangível, e se configura nas habilidades e no conhecimento adquirido pelos indivíduos; o capital social é ainda menos tangível, porque se configura nos relacionamentos entre as pessoas. Ele é produzido como um subproduto das relações sociais, sendo a confiança um componente essencial. Outro aspecto, é por ele constituir um bem público, o que já não se constata no capital convencional que normalmente constitui um bem privado e se deprecia com o tempo devido ao seu uso. O capital social se fortalece e aumenta quanto mais o utilizar e se manifesta através das iniciativas colectivas baseadas na cooperação espontânea, garantidas pela confiança e reciprocidade.

O papel do estado na criação do capital social é fundamental, principalmente em sociedades onde existem desigualdades na distribuição de renda e de oportunidades, o desemprego, a imigração, a desestruturação familiar e elevados índices de violência desarticulando a rede de relações sociais. A falta de confiança, de cooperação e solidariedade dificulta a manifestação/surgimento da consciência cívica fundamental para a formação da sociedade civil crítica, participativa e comprometida com as suas responsabilidades sociais e por conseguinte, limita a capacidade de desenvolvimento do país.

Neste contexto e pelo facto de que a sociedade cabo-verdiana tem sido desafiada para combater a escalada de violência e perdas consideráveis em termos de valores e ética é imprescindível a acção do estado para apoiar as famílias, instituição social básica de integração social na transmissão de valores positivos para a sociedade, e também será fundamental a parceria de todos (igreja, policia, etc) nessa empreitada. É necessário reforçar os vínculos afectivos através da criação de espaços que promovam a sociabilidade, o sentimento de pertença, a identidade colectiva e resgatar a auto-estima de grupos marginalizados. Esse desafio não é fácil porém, é imprescindível para que o país se desenvolva no verdadeiro sentido do termo.