domingo, 24 de julho de 2011

Keynes em entrevista

A economia tem percorrido um árduo caminho para se afirmar como ciência. Desde a antiguidade pode-se notar contributos relevantes de varios cientístas que de certa forma ajudaram no desenvolvimento da ciência económica. No sec XX, sem desmerecer os demais, a figura mais importante e influente para muitos cientistas sociais foi sem dúvida John Maynard Keynes, inglês, que viveu no periodo de 1883 a 1946. Após a publicação da sua obra mais importante, General Theory of employment, interest and money (Teoria Geral do Emprego, do Juro e do Dinheiro) em 1936, a economia nunca máis seria a mesma (conhecida na literatura como a revolução keynesiana). Keynes é considerado o pai da moderna macroeconomia e demonstrou que o estado através das politicas económicas (monetária, fiscal etc) poderia afectar os principais agregados macroeconómicos e determinar valores desejáveis para as variáveis macroeconómicas (emprego, PIB, juros, salarios, inflação entre outros). A implementação das politicas económicas de orientação keynesiana através do Plano Marshall e New Deal, permitiram a recuperação da Europa após a segunda guerra mundial e, dos EUA e do mundo da grande depressão da decada dos 30. Permitiu ainda um periodo de grande prosperidade que o mundo viveu até meados da decada de 70 e que ficou conhecido como os 30 anos gloriosos.
Para entender a proposta keynesiana é necessário fazer a contextualização do periodo em que surgiu a Teoria Geral. A grande depressão ocorrida na decada dos 30 deixou evidente a incapacidade da escola neoclássica em explicar os fenómenos que ocorriam na sociedade. Por incrivel que lhes podia parecer, os mercados não se auto-regulavam e o equilibrio ocorria abaixo do pleno emprego. Também, era evidente o elevado indice de desemprego, baixos indices de investimento e baixa utilização capacidade de produção.
O aspecto mais importante identificado por keynes foi a INCERTEZA. Devido á incerteza, os individuos consumiam menos e os empresários investiam menos, gerando um circulo vicioso de baixo consumo, pouca receita dos empresarios, baixa expectativa de oportunidades, baixo investimento, pouco emprego, baixo rendimento, baixo consumo. Essa armadilha não seria desarmada pelas forças naturais do livre mercado (laissez-faire) mas sim somente pelo activismo do estado, reestabelecendo o nivel de consumo (procura efectiva) através de politicas económicas.

Antonio Baptista (Tozé): Keynes, qual a motivação para escrever a Teoria Geral e quais os resultados?
Keynes: Basicamente foi a constactação de que o paradigma neoclassico já não conseguia responder aos desafios que a economia lhes colocava. Tinha o fenómeno do desemprego involuntário que eles não conseguiam explicar e também a situação de super-produção que ia contra a lei de Say. Eu queria oferecer indicações de acções praticas para eliminar o desemprego e aumentar o rendimento nacional. A conclusão importante do livro é  que a procura efectiva é a variável chave na determinação do rendimento nacional. A incerteza é uma variável importante que deve ser considerado nos modelos de análise económica e o estado é um agente fundamental que através de politica económica pode afectar as variáveis macroeconómicas.

TZ: Mas afinal qual o problema com a escola neoclassica e a lei Say?
Keynes: Além do individualismo metodológico, os neoclássicos tinham como pressuposto a racionalidade dos produtores e consumidores e também acreditava que esses agentes económicos procuravam maximizar a utilidade. O procedimento racional de maximização da satisfação (lucro) dos produtores levava a uma situação de extrema precariedade no mercado de trabalho e os salários estavam em níveis muito baixos. Essa precariedade trazia muita incerteza para os consumidores que passaram a preferir reter o salário na forma de dinheiro para algumas eventualidades que possam surgir em vez de gastar tudo na compra de bens. Essa preferência pela liquidez contrariava a lei de Say. Essa situação reduzia a procura agregada, que por sua vez gerava o desemprego (seguindo a lógica do circulo vicioso apresentado anteriormente) e causava a superprodução (oferta maior que procura), algo que os neoclássicos não acreditavam e nem poderiam explicar. O desemprego é causado pela escassez de oferta de postos de trabalho e este por deficiências de procura efectiva.

TZ: O que seria essa lei de Say?
Keynes: A lei de Say foi uma contribuição do economista Jean Batiste Say e que basicamente afirmava que o processo de produção capitalista é também, um processo de geração de renda (lucro, salários, aluguer etc) e, por isso, a oferta gera sua própria procura. Ex: para produzir, as empresas precisariam contratar mão-de-obra que em troca do trabalho, receberiam salário, que posteriormente seria gasto no consumo dos produtos das empresas.

TZ: Mas isso parece lógico.
Keynes: Claro, desde que a economia fosse primitiva e não uma economia industrial moderna, como conhecemos e ainda por cima com elevados níveis de incerteza. Quanto estão sujeitos á incerteza os indivíduos não gastam todo rendimento e por isso a lei de Say não vai funcionar. Na verdade é a procura que determina a oferta. A procura efectiva é a variável fundamental na geração do rendimento nacional. Numa situação de incerteza os empresários não vão investir, independentemente do nível das taxas de juros.

TZ: Como justificas a importância da procura efectiva?
Keynes: A procura efectiva corresponde ao consumo das famílias, o investimento dos empresários, os gastos do estado e o saldo liquido das exportações. Essas variáveis é que vão determinar o produto nacional. Quanto maior o gasto das famílias, empresas, estado e exportação maior será o produto. Elementar, meu caro.

TZ: Mas você defende que maior gasto do estado gera crescimento económico? o estado não é um irresponsável? Gastador? Gordo? Ineficiente?
Keynes: Realmente eu defendo aumento do gasto do estado mas você deve contextualizar. Lembra? Estamos em plena depressão (desemprego, queda nos investimentos etc). As famílias não gastam, as empresas não investem e por isso sobra quem? O estado. Lógico. O estado tem responsabilidades constitucionais de prover o bem-estar das famílias etc. Ele não deve esperar pela solução da “mão invisível”. O estado deve lidar com preocupações de curto prazo e não com hipóteses de longo prazo das políticas económicas. Os desequilíbrios ocorrem no curto prazo e requerem pronta intervenção para evitar problemas maiores no sistema. Quem pode e deve se preocupar com essa situação é o estado.

TZ: Mas, de acordo com a classica teoria económica, no longo prazo esse tipo de politica fiscal expansionista (aumentar o gasto do estado), pelo facto de a curva de oferta agregada ser vertical no pleno emprego, qualquer aumento da procura agregada vai gerar apenas inflação.
Keynes: No longo prazo estaremos todos mortos. He he he! Na verdade essa situação descrita pelos neoclássicos (curva de oferta agregada vertical) não acontece se tivermos capacidade de produção ociosa, como acontece frequentemente em situações de depressão. Quando não temos pleno emprego dos factores de produção (capacidade ociosa, desemprego involuntário etc) a curva de oferta é na verdade horizontal, permitindo um resultado diferente, isto é, sem inflação e mais crescimento económico.

TZ: O estado pode ocupar da produção de bens em vez de privados?
Keynes: DEPENDE. Se estivermos numa situação tipo o que descrevemos no período de depressão, em que os privados não estão a investir, o estado pode e deve produzir e gerar emprego pois, essa politica, através do efeito multiplicador, potencializa os benefícios para toda a economia. Mas que fique bem claro, os gastos do estado devem estar direccionados para permitir melhorias na procura efectiva e gerar efeito multiplicador. Infelizmente nem todos os gastos do estado tem essa capacidade.

TZ: Mas buscará o estado desempenhar esta função em prol da colectividade?
Keynes: Esse é o grande desafio histórico. Muitos estados com politicas económicas ditas keynesianas, demonstraram um comportamento totalmente diferente do esperado. Na verdade o homo politicus é movido por interesses próprios e que muitas vezes não beneficia a colectividade. Mas, a minha análise esta baseada na ideia de um estado regido por princípios de honestidade, solidariedade, defesa da concorrência, da propriedade, e que tenha capacidade de estabelecer regras na economia.

TZ:Você chegou a propor acabar com o capitalismo?
Keynes: Claro que não. O que você colocaria em troca? O comunismo? Acredito que não. Dê uma olhadela no último capítulo da Teoria Geral. As minhas sugestões eram direccionadas para melhorar o sistema e não a sua substituição. Eu defendo que o estado deve ser forte, capaz de dirigir a economia na busca de melhor resultado em termos de emprego, PIB etc. O desenvolvimento da nação não deve ser deixado por conta da “mão invisível”. Não é o laissez-faire que vai proporcionar o pleno emprego e a melhor solução em tempo oportuno. Além disso não existe auto-regulação e portanto tem-se espaço para a adopção de políticas económicas.

TZ: Mas desde a década dos 70 que as politicas económicas são orientadas de acordo com a doutrina neoliberal. Porque isso ocorreu?
Keynes: Basicamente, devido a predominância de problemas “não-keynesianas”. Na década de 70, tivemos o choque de petróleo, inflação etc. Já não fazia sentido um estado com grandes orçamentos, politicas expansionistas e ficou caro manter o “estado de bem estar social”. A grande preocupação da política macroeconómica na altura era estabilidade de preços, em vez de políticas de crescimento. Neste sentido surgiram economistas (Milton Friedman) que advogavam a utilização de políticas monetárias, capazes de combater a inflação de forma mais rápida porém, com muitos efeitos colaterais.

TZ: Os acontecimentos recentes têm dado razão a muitas das suas propostas de prescrições de politicas públicas. Não tens pensado em assombrar os actuais formuladores de políticas económicas? Tens pensado em fazer alguma obra psicografada? Descanse em paz.

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