domingo, 10 de maio de 2020

Lingua materna e desenvolvimento económico



 “Quem torto nasce, tarde ou nunca se endireita”(Ditado popular)

Os economistas concordam com a ideia de que a dinamização do setor empresarial determina o crescimento do emprego e do Produto Interno Bruto (crescimento económico). O progresso tecnológico, por meio da capacidade de inovação e criatividade, permite sustentar o processo de crescimento económico no longo prazo.

Sobreviver no ambiente globalizado e competir com empresas de classe mundial não tem sido uma tarefa fácil para as empresas nacionais e de certeza, não será possível, sem uma estratégia bem definida em relação à busca pela inovação, criatividade, diferenciação e, sem promover a cultura empreendedora nacional pois, aumentar a competitividade do país requer pessoas criativas e inovadoras com capacidade de escapar de ideias convencionais.

O aspeto preocupante é que a inovação e a criatividade na economia de Cabo Verde ainda são incipientes. Regista-se poucas inovações tanto de processos como de produtos e, as nossas limitações em termos de criatividade e diversificação são evidentes. Essa situação é mais regra do que exceção principalmente, se levarmos em conta que em Cabo Verde a grande maioria dos jovens demonstram pouca propensão ao empreendedorismo e grande parcela da população tem demonstrado limitada racionalidade económica. Ainda, podem ser facilmente diagnosticados outros traços de comportamentos tais como a intolerância, a impaciência, a insegurança etc. Perfil, possivelmente determinados por “traumas” na infância.

Portanto, analisar em que condição se dá o “processo de moldagem” da nossa personalidade durante a infância é uma tarefa imprescindível para prepararmos melhor para a vida adulta e, permitir ao país vencer os desafios do crescimento económico e geração de emprego. O desenvolvimento depende de pessoas com ideiaspositivas, progressistas, sem complexos e sem traumas na infância que limitem a autoestima e a autoconfiança.

A capacidade criativa geralmente é determinada na infância. A liberdade de expressão é um factor importante na formação de crianças criativas, persistentes, comprometidas com suas metas e com auto-confiança. Aspectos esses que são imprescindíveis para o sucesso na vida e nos empreendimentos.

O psicólogo Erik Erikson, professor em Harvard, defende que toda a criança passa por um estágio chamado de Confiança x Desconfiança. A criança, dependendo do tratamento familiar/escolar, sente (ou não) que o mundo é relativamente seguro.
Crianças em ambientes seguros desenvolvem o espírito de iniciativa, empreendedorismo e coragem de assumir riscos.Entretanto, a criança reprimida, proibida de livre expressão, que passa por diversas situações de constrangimentos (ex: ser ridicularizada etc) e frustrações, fica insegura, tímida e apresenta sérias limitações em relação à iniciativa e criatividade e, consequentemente, com limitada capacidade de empreender e ter sucesso na vida adulta.

O relativo sucesso e criatividade que o país apresenta na música e noutras artes são evidências do nosso potencial. Provavelmente não teríamos alcançado tanto sucesso se todos os artistas fossem obrigados e se expressarem de uma forma diga-se, “convencional”. O país precisa urgentemente de crianças, jovens e adultos criativos, autoconfiantes, persistentes enfim, empreendedores. Para tanto, devemos ser capazes de eliminar todas as limitações à criatividade e inovação tão logo possível e o governo não pode prescindir de adotar qualquer política que possa permitir alcançar esse objetivo. É uma condição necessária paraa sobrevivência e sustentabilidade do crescimento do País.

Dificilmente poderemos encontrar exemplos de países com mesmo tipo de problema e por isso, provavelmente, não teremos nenhum apoio nos manuais (pensamento dos outros) mas sim, estaremos a ser desafiados a pensar esse problema que é tipicamente Cabo-verdiana “com a nossa própria cabeça”.Mesmo sem consenso (porque ainda existe muita ignorância entre nós), o Estado tem a responsabilidade de implementar a “ação afirmativa” de tornar o ensino primário compulsoriamente NA língua materna. Além de proteger um direito natural das nossas crianças, estaremos a dar-lhes maiores oportunidades de fortalecerem a autoestima, a autoconfiança, a iniciativa, a criatividade etc. Competências essas, que lhes serão essenciais para a sua realização como individuo/cidadão e contribuir efetivamente para o progresso da Nação.

Por exemplo, nos EUA, a política de educação - “No child left behind”, esta associada a necessidade de dar tempo para que as crianças evitem os traumas que podem moldar a sua personalidade de uma forma negativa e reduzir a sua autoconfiança e criatividade. A preocupação está na dimensão psicológica que garante à criança a necessária estrutura emocional quando adulto.

Em Cabo Verde, se o ensino primario não fosse obrigatorio, provavelmente ainda teriamos muitas crianças fora das salas de aula e crentes de que “não tem cabeça para a escola”. Fugindo do ridiculo e da “xacota” que ainda afligem as nossas crianças.

O debate em relação à lingua materna tem sido orientado/dominado por assuntos que não são urgentes, nem prioritarios, relacionados ao ensino DA lingua materna (Ex: asvariantes, ALUPEC, controvércia entre “C” e “K” etc, com desfiles de vaidades, preconceitos, hipocrisia, regionalismos etc,que em nada contribui para a coesão nacional), desviando atenção do que realmente é urgente, o ensino NA lingua materna que vai libertar as nossas crianças para que possam realizar todo o seu potencial em toda a fase da sua vida.

O ensino NA língua materna (somente na infância), além de ser um “Direito Humano”, é uma condição para termos esperanças de ser um país desenvolvido no futuro.  Não devemos ficar presos nos debates em torno das questões formais. É urgente suspender, por enquanto,o debate em torno da questão da oficialização da língua materna, variantes, ALUPEC etc e focalizar na liberdade de expressão, na criação das condições necessárias ao pleno desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças e por conseguinte, na construção da nossa capacidade criativa e inovadora que, em última instancia, vai determinar o nosso futuro. Caso contrario, estaremos a postergar ad aeternum o nosso desenvolvimento económico ao permitir “podar” as capacidades criativas e inovadoras das nossas crianças.

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