segunda-feira, 18 de maio de 2020

O Imposto e a sustentabilidade do estado de direito


A arrecadação de receitas é essencial para a manutenção do estado de direito. Para exercer suas atividades o Estado precisa se financiar através das receitas que arrecada, sendo a cobrança de impostos a principal fonte de receitas. Estando certo de que a contribuição de cada individuo não deva depender da sua consciência e boa vontade, o imposto deve ser compulsório.

Ninguém gosta de pagar imposto e nem o governo gosta de cobrar impostos porém, é sem dúvida um mal necessário para estabelecer o estado de direito e a coesão social. Postergar a reforma fiscal implica correr risco de ocorrer uma psicoadaptação ao incumprimento fiscal e reforçar culturalmente, a evasão fiscal. Degenerando numa situação em que poucos pagam e uma sociedade com limitada consciência de cidadania fiscal. Nitidamente, uma grave violação do “contrato social” e retrocesso para o estado de barbárie, onde não existem bens públicos essenciais, não existe garantia dos direitos, ninguém é “incomodado”, ninguém colabora, ninguém participa e,…, retornaremos ao estado de natureza.

Não podemos permitir tamanho retrocesso e, se for preciso (eu acho mesmo necessário), deve-se aumentar a carga fiscal para assegurar o progresso da Nação. Todos terão de contribuir e não pode ser uma opção. O tamanho da carga fiscal deve estar coerente com as necessidades e os desafios enfrentados pelo Estado. Se não estamos satisfeitos com a prestação dos serviços/bens públicos a solução nunca deve ser, reduzir a carga fiscal mas sim racionalizar as despesas e aumentar as receitas públicas, ainda mais em um contexto de divida e deficit público elevados.

O imposto não deve ser interpretado como simples forma de arrecadação de receitas mas sim deve-se ter clara perceção de que é o meio necessário para se ter acesso aos bens públicos (segurança, saúde, educação, saneamento etc), para se garantir o respeito aos nossos direitos, para reforçar a democracia, para promover a justiça e implementar as instituições necessárias para o bom funcionamento da sociedade enfim, para pôr a maquina do Estado a funcionar.

Existe perceção generalizada de que paga-se muitos impostos e os serviços prestados pelo Estado não justifica todo o dinheiro arrecadado pelo imposto. O dinheiro não deve estar a chegar ao destino ou a administração dos recursos tem sido muito ineficiente. Neste contexto, pode-se perceber nítida falta de legitimidade do sistema tributário. Tendo em consideração que esta legitimidade não se conquista pelo voto mas sim pela perceção que a população tem sobre o uso do dinheiro público pode-se perceber que a redução da evasão fiscal é um assunto delicado e de difícil solução, sem antes recuperar a legitimidade do sistema.

A arrecadação do imposto não é um fim em si mesmo e nem deve ser o principal motivo de uma reforma fiscal. Deve-se reformar também na direção das despesas públicas.É necessário realizar auditoria nas despesas do Estado no sentido de se identificar as oportunidades de racionalização e implementação efectiva da responsabilidade fiscal.

Tendo em consideração que se nota uma certa manifestação contrária ao aumento do imposto e ainda por cima com a “sabedoria convencional” a acreditar que se paga muito imposto no pais, as possibilidades do governo aumentaras receitas fiscais são limitadas. Estas limitações não são somente económicas (limitada base de tributação, informalidade, desemprego etc) mas também políticos (difícil de ter consenso politico e possibilidade de manifestações populares) e culturais (cultura de sonegação e fugir das obrigações fiscais etc).As revisões propostas pelo Ministério das Finanças são nitidamente insuficientes mas não deixa de ser uma condição necessária para a sustentabilidade do sistema tributário e da economia. Aumentar a base tributaria, diversificar as fontes de receitas e melhorar a administração tributária parecem ser, juntamente com a maior sensibilização sobre a educação tributaria/cidadania fiscal, imprescindíveis para garantir maior sustentabilidade, maior responsabilidade fiscal e reduzir a evasão fiscal.

Geralmente a evasão fiscal é reduzida quando as pessoas perceberem que os outros também estão a contribuir e que existe tratamento justo e transparente; quando percebem que existe punição efectiva para os crimes fiscais; quando percebem os benefícios dos investimentos públicos e quando tem confiança nas instituições do estado. Quando existe um clima de desconfiança de que os recursos arrecadados não estão a ser empregues corretamente e,associado à debilidade institucional em termos de capacidade de controlo e fiscalização por parte da administração fiscal, aumenta-se consideravelmente a sonegação fiscal e, mais grave que pode acontecer ainda, é reforçar a cultura de não pagamento das obrigações fiscais, colocar em risco o estado de direito e a sobrevivência da Nação.

A pergunta que se deve fazer é se estamos satisfeitos com o nível dos serviços públicos essenciais. Que pais pretendemos ter e o que estamos dispostos a fazer para que o pais possa realizar o seu potencial? Quanto estamos dispostos a pagar para termos maior coesão social? Será necessária uma revisão do “contrato social”? Para começar, o governo deve poder convencer a opinião pública de que “para fazer a omelete, deve-se partir o ovo” e, devemos, literalmente, “pagar para ver”. O imposto é um pagamento compulsório porém, se não estivermos satisfeitos com a gestão dos recursos arrecadados, nas eleições, faremos o nosso julgamento.

Além de obrigação moral, cumprir a lei fiscal é participar para construir o futuro colectivo comum.

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